Olhos fechados, vejo uma menina arteira, já em idade escolar. Ela brinca de pega-pega no colégio e acaba se chocando de cabeça com um menino que, como ela, corria. As marcas, as cicatrizes que ela tem pelo corpo deixam claro que ela gosta é de brincadeira de menino.
Sem abrir os olhos, vejo, então, uma jovem. Aluna nota dez, ela é a melhor da turma por anos consecutivos e isso a deixa segura de si. Mas, nesse ano, é diferente, há um colega que a ameaça e eles disputam o favoritismo a cada resultado, a cada avaliação entregue.
Ainda de olhos fechados, vejo uma adulta em formação, em crise, rompendo com padrões nos quais deveria se enquadrar. Acaba a relação com o primeiro namorado, aquele que dela iria cuidar. Apesar do modelo tentador, dos benefícios financeiros, não é ali que ela quer estar.
Sem precisar abrir os olhos, vejo uma mulher. Ela assiste a um filme e chora; as lágrimas que rolam por sua face são tão fugazes quanto suas certezas. Essa mulher parece tão especial e arteira quanto aquelas meninas, tão segura quanto aquela jovem, tão em crise quanto a adulta em formação.
Assistindo a outra cena do filme, ela ri um riso sincero e inesperado. O paradoxo de sua boca macia e seus dentes afiados é como o esforço que faz para manter a esperança neste mundo embrutecido.
A mulher, agora, olha o relógio. O tempo não para, da mesma forma ela tem a impressão de nunca parar. Assim como trabalham os ponteiros do relógio, incessantemente, essa mulher se desfaz e se refaz a cada instante.
Ela resolve dormir. Deita-se com a intenção de um sono tranquilo e revigorante. Ela deseja ter bons motivos para sair da cama no dia seguinte, pois, como o relógio precisa de pilhas para funcionar, ela precisa de sonhos para continuar.
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